O hospital Medianeira é uma
grande construção horizontal, com corredores e jardins internos, onde seres iluminados
do plano físico e do astral labutam pela sobrevivência humana na cura
das enfermidades, nos nascimentos e na morte!
Nascimento e morte,
saúde e doença coexistindo lado a lado, mediados pela Mãe Maria.
Diariamente caminhamos
por um corredor claro, asseado, ladeado de corredores transversais,
divididos em alas específica, cirurgia, UTI, maternidade.
Áreas ajardinadas
acompanham a extensão dos corredores, abrindo espaço para adentrar
a natureza.
Cada janela dos quartos
revela-se não só na visão do verde, mas na audição dos cantos
das aves.
Sabiás, tico-ticos, chopins, pombas e rolas, canários e
bem-te-vis refrescam a alma com seus cantos. No entanto o
sabiá-laranjeira comanda a orquestra, transfigurando-se em
mensageiro da esperança. Nesses momentos as pessoas por perto
paralisam suas preocupações para apreciarem a beleza de seu canto.
Uma dezena de dias
convivi como acompanhante de meu marido neste hospital, que chamo de
spa de cura. Dividia meu tempo nos
cuidados com o doente, em orações na capela interna, e embevida pelos seres alados nos nichos
verdejantes.
Lembro que logo ao
chegar, caminhando pelos corredores, um beija-flor verde resplandecente apareceu na minha frente, parecendo saudar-nos com todo seu brilho. Depois foi a vez do sabiá-laranjeira, saltitando pelos
gramados escondendo-se entre os arbustos com seu olhar marcado de cor
laranja, observando desconfiado. Porém todas as manhãs, antes do clarear do dia, despe-se de sua
timidez, desafiando a orquestra humana com seu canto ritmado, às
vezes acompanhado por tico-ticos, num repertório mágico acordando
os mais puros sentimentos da alma, com certeza louvando os
nascimento.
Mas onde há vida há morte e lá se vai um ser alado
em sacrifício anunciando uma passagem para o além ou uma dor
profunda, prostrado no chão sem vida, após o choque na parede
envidraçado do corredor.
- Muitos batem no vidro e
morrem! - informou a funcionária ao me ver observando a ave
inanimada.
Compreendi que sim, são
anúncios de vida e morte pelos anjos alados. Mas senti temor pelas
paredes de vidro que enganam os pequeninhos de asas. Como fazer para
evitar isso? Como avisar da morte sem auto-sacrifício? Pobre pombinha
esparramada no chão! O vidro que desnuda a beleza do verde, traz a
ilusão fatal da continuação do outro lado.
Silêncio, desliguem a
TV, agora são os suiriris no topo das árvores mais altas,
anunciando o verão.
Seu canto lembra seu nome, abrem as asas, os
bicos, voam e voltam, às vezes em duplas. Seu peito amarelo brilha
contra o céu, enfeitando o jardim interno.
Em frente à nossa
janela vemos pombas disputando com as rolinhas um poleiro
para descansar sobre um arbusto.
Quanta graça e colorido com sua pernas avermelhadas,
movimentando os galhos e folhas. Abaixo desta mesma árvore
admirei-me com uma cena curiosa, um filhote de tico-tico, às voltas
com outro filhote, porém preto e maior, lembrei do hábito da mamãe chopim, que obriga outras espécies a criarem seus filhotes, através da distribuição de seus ovos pelos ninhos da vizinhança!
E de novo canta o sabiá, numa melodia cadenciada, às vezes com acompanhamento distante de um bem-te-vi, formando um arranjo cadenciado sem limite de espaço.
O joão-de-barro também encanta, saltita pelo gramado dos jardins internos, mas sem a timidez do sabiá, pois não foge quando observado.
O jardim no coração do hospital desabrocha em flor. Hibiscos vermelhos atraem beija-flores.
Seus arbustos escondem muitos ninhos, piados de alerta são ouvidos pelos que se aproximam desavisados. Bancos de ferro convidam para o descanso, seus encostos também são poleiros para o sabiá, que cisca no chão o alimento dos filhotes e lá vai ele com o bico cheio de lagartas ou de frutinhas.
Uma dezena de dias, livre da rotina da casa, mas não em agonia, na verdade em harmonia, pois que a doença é o cartão vermelho para pararmos e refletirmos sobre o nosso caminho, a doença nos chama a atenção, nos avisa que estamos por caminhos embaraçados e precisamos nos achar.
Agradeço de coração à esse espaço abençoado que me fez refletir sobre a doença em meio a seres alados!
Vera E. Medeiros
Fotos de novembro de 2017
Hospital do Círculo
Bairro Jardim América - Caxias do Sul - RS